14 de maio de 2012

De volta ao comando do Estado. Mas que Estado e que comando?

A Europa sob o comando da "austera" nova "dama de ferro" Angela. 
A difícil situação na Grécia, Espanha e até Inglaterra. 
A tentativa do controle do socialista francês Hollande pela alemã, a serviço dos grandes bancos. 
O sacríficio cada vez maior dos trabalhadores e aposentados europeus. 
O bom exemplo do Brasil (e alguns problemas a serem resolvidos).
Não percam tudo isso no mais recente texto do analista político Mauro Santayana, que reproduzimos na íntegra a seguir.

O Retorno ao Estado
(JB) - "O governo conservador da Espanha foi obrigado a estatizar a Bankia, uma das instituições dedicadas ao financiamento imobiliário, a fim de evitar o desmoronamento geral do sistema. Não foi uma escolha, mas a única saída a fim de buscar solução para uma crise que levará ao caos, se não houver medidas paralelas e urgentes. O povo já se prepara para voltar à Praça do Sol e suas adjacências.

Na Inglaterra, em uma manifestação inesperada, 30.000 policiais se somam aos demais empregados públicos em greve. É uma advertência severa. Na Grécia se tenta coligação de centro-direita com o desmoralizado Pasok, dos que se diziam socialistas e se curvaram às exigências “austeras” de Berlim. Não se espera que a tentativa de formação desse governo à direita seja bem sucedida.

A França aguarda o que fará Hollande, uma vez que ele caiu na esparrela de aceitar a convocação de Ângela Merkel para visitar Berlim, logo depois de empossado. A chanceler alemã não titubeia. “Garante” ao mercado financeiro internacional, em nome de não sabemos bem o que, que a Europa cumprirá as medidas de restrição fiscal a que chegaram ela, Sarkozy e esse arremedo de primeiro ministro britânico, David Cameron. A arrogante senhora fala, provavelmente, em nome dos grandes bancos, que controlam as finanças mundiais, e entre os quais se destaca o Goldman Sachs.

A crise européia é uma crise dos estados: ao tentar criar um super-estado confederado, com soberania sobre os povos nacionais, os líderes europeus acabaram com as instituições históricas e não puderam substituí-las por outras mais eficazes. O caso do Banco Central Europeu é nisso clássico. Os bancos centrais nacionais, por mais se arrogassem independência, estavam sujeitos ao controle político dos governos, sob a pressão dos parlamentos e da cidadania. Vale a pena lembrar um editorial de Le Monde, de há alguns meses, sobre o tema. Diz o grande jornal:

“Historicamente, a primazia do político, isto é, sua capacidade de “enquadrar” os interesses financeiros, teve como instrumento essencial os bancos centrais. Não se pode perder de vista esta realidade: é por intermédio do poder monetário que é possível fazer prevalecer o interesse coletivo. Isso supõe que o Banco Central esteja colocado sob a autoridade do poder político. É o que se observa nas grandes democracias. Apesar dessa arquitetura, que se mostrou efetiva, ela não foi adotada pela zona do euro. Um Banco Central Europeu, separado da política, é uma péssima coisa. É, em si mesma, a expressão de uma crise muito profunda da democracia européia, de sua impotência congênita”.

Convém relembrar que a mais inteligente e mais antiga das instituições humanas, o Estado, vem sendo erodido por dentro e por fora, há mais de trinta anos, a partir da deregulation de Reagan e de Mme Thatcher. Na mesma medida em que o Estado se encolhia, e as grandes corporações financeiras cresciam, os trabalhadores passaram a ser coisas descartáveis.

A razão de ser das empresas deixou de ser a criação de empregos e a inovação em produtos e serviços. Submetidas ao assalto de predadores, passaram a ser dirigidas por administradores alugados pelos grandes bancos comerciais, autorizados a atuar como bancos de investimentos. A “reengenharia” dessas empresas, umas menores e outras gigantescas, se limitou a demitir, demitir, demitir. No auge da privatização e da globalização, alguém decretou que os incapazes de seguir o novo ritmo deviam contentar-se em tornar-se meros servidores domésticos dos vencedores.Voltando ao editorial de Le Monde: a moeda vinha sendo despolitizada, entregue à ilegítima soberania do mercado financeiro.

Era isso o que ocorria em nosso país, e que começa a ser diferente agora. Ao atuar lateralmente, determinando aos grandes bancos oficiais a redução do spread, a presidente Dilma Rousseff está recuperando para a chefia do Estado a autoridade sobre o Banco Central e colocando a moeda, como se deve, sob o controle político da sociedade que a elegeu. Mas há mais coisas que o Estado deve fazer na economia, e no cumprimento de seu dever de exercer a justiça.

Nisso, temos uma boa notícia, com a prisão do comandante da operação policial responsável pelo massacre dos trabalhadores sem-terra em Eldorado dos Carajás, o coronel Marcos Colares Pantoja. Não obstante essa prisão – que se faz diante do imenso clamor nacional contra a chacina, ocorrida há 16 anos – continua a violência no campo. O Estado não consegue cumprir nem mesmo o Estatuto da Terra, aprovado durante o regime militar.

Os grandes êxitos do governo, nos últimos dez anos, não podem ocultar os problemas que crescem, ao crescerem as expectativas, internas e externas, sobre o nosso futuro imediato. Temos que sujeitar o nosso entusiasmo a algumas reflexões sobre a situação atual, e continuar colocando na expansão da produção e do consumo interno os nossos esforços maiores. Só podemos, na realidade, contar com o próprio povo. Com sua inteligência, seu trabalho, seu amor ao país."

Fonte: http://www.maurosantayana.com/

Um comentário:

Anônimo disse...

Pode ser um bom sinal: chamado às falas pelo Parlamento Europeu e pela Comissão Européia, o fiel funcionário do Banco Goldman Sachs, que preside ao Banco Central Europeu, Mário Draghi, gaguejou. Não pôde explicar aonde foram parar o trilhão de euros que os países centrais da Europa emitiram e entregaram ao BCE, a fim de recuperar a economia do bloco. De acordo com Michel Barnier, Comissário da União Européia encarregado do mercado interno do grupo, que inclui os serviços financeiros, e de Durão Barroso, o presidente da Comissão Européia, os bancos beneficiados com os recursos, repassados pelo BCE a juros inferiores a 1%, não os usaram no estímulo à economia. Ao contrário, continuaram emprestando aos estados em dificuldades, a juros que vão de 6 a 10%. Quanto mais dificuldades enfrentam, mais altos são os jur os, em uma espiral de arrocho, desemprego e miséria de seus povos.

Mesmo com os imensos recursos de caixa, os bancos privados – encabeçados pelo famigerado Goldman Sachs – reduziram seus financiamentos às empresas em 30% e os empréstimos aos correntistas privados em 43%. As condições para a concessão de créditos à economia real se tornaram ainda mais duras. E os empréstimos aos Estados se fazem sob exigências draconianas.

O Banco Central Europeu não pode emprestar diretamente aos Estados. Como todos os bancos centrais, eles são servidores dos banqueiros, e, de modo geral, operam com autonomia.

Os bancos, na confidência de um banqueiro europeu anônimo, usam os empréstimos do BCE para refinanciar seus balanços, e soltam o dinheiro a filete de água para o financiamento da produção, do comércio e dos serviços. Esse procedimento faz com que a Europa siga o desastre americano e inglês, que se iniciou em 1980, com Madame Thatcher e Reagan. Nestes últimos trinta anos, nos Estados Unidos, o famoso um por cento dos americanos mais ricos viram sua renda multiplicar 300 vezes. Os americanos mais pobres tiveram um aumento de 40% em seus rendimentos, mas em conseqüência da participação intensiva das mulheres no trabalho. Essa participação, exigida pela crescente dificuldade dos lares, fez com que houvesse uma melhoria na renda familiar. Sem isso, só com o trabalho dos homens, não teria havido nenhuma melhoria.

A economia moderna – na avaliação de John Plender, um dos mais lúcidos analistas do Financial Times – parece ter duas pistas: uma de altíssima velocidade para os ricos, e outra, vagarosa, para os pobres. Segundo o próprio Financial Times, em matéria de janeiro deste ano, os conselhos de administração das grandes empresas, notadamente as do setor financeiro, têm fixado a remuneração de seus presidentes-diretores gerais em 400 vezes o salário de seus empregados de base. Há três décadas, essa diferença, já extremamente injusta, era de 40 vezes.

O sistema financeiro se tornou incontrolável, nos quadros legais de hoje, na medida em que se tornou grosseiramente obeso, na observação do mesmo jornal britânico.

Os estados nacionais abdicaram do senhorio da moeda, em favor do BCE (leia-se, do Goldman Sachs) mediante o Mecanismo Europeu de Estabilização. Os gestores desse “Mecanismo”, entre outros absurdos, não podem ser processados pela justiça. São invioláveis e impunes, cometam as irregularidades que possam cometer. Por essas razões, começa a crescer, nos meios políticos europeus, a idéia de que é preciso estatizar logo os bancos, antes que a impaciência popular leve a soluções radicais, mediante a articulação revolucionária, ou a ascensão da extrema-direita, que tampouco ama os banqueiros.

O controle mais efetivo da moeda pelos Estados, e sua intervenção direta no processo econômico são o caminho natural para impedir o fim do sistema democrático, ao reduzir a brutal desigualdade entre ricos e pobres e entre países marginalizados pela pobreza e as economias mais desenvolvidas.

Mário Draghi reconheceu que os bancos não atuam como seria de esperar. E prometeu dar explicações mais detalhadas das providências que pretende tomar. Vamos ver o que dirá o fiel servidor do Goldman Sachs.
Mauro Santayana